27 de março de 2024

Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) – recentes decisões arbitrais

A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) foi criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto e tinha como propósito financiar a rede rodoviária nacional, atualmente a cargo da Infraestruturas de Portugal, S.A. Incidia sobre a gasolina, gasóleo e gás de petróleo liquefeito.

O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no âmbito do processo n.º C-460/21 de 7 de fevereiro de 2022, considerou a CSR contrária ao Direito Europeu. A CSR foi extinta por via da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro. À Infraestruturas de Portugal, S.A., é agora consignada uma parte da receita do ISP (imposto de onde a CSR foi originalmente criada e do qual se tinha, entretanto, emancipado).

Entre o final de 2023 e o início de 2024 surgiram mais de uma dezena de decisões arbitrais contraditórias e conflituantes que a esta temática se dedicaram*.

Para além das contradições verificadas (que serão densificadas infra) quanto às exceções dilatórias incessantemente invocadas pela AT, a saber: (1) ineptidão da petição inicial por falta de objeto (2) incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria e (3) em razão da causa de pedir e (4) ilegitimidade do requerente/sujeito passivo, comprovou-se também um grau elevado de imprevisibilidade e insegurança jurídica relativamente ao mérito substantivo das decisões tomadas pelo Tribunal.

Exceções dilatórias

Ineptidão da petição inicial por falta de objeto

Esta exceção tem por base o argumento de que, não tendo sido identificados, no pedido de pronúncia arbitral, os atos tributários impugnados, não é possível estabelecer a correlação entre os atos de liquidação praticados a montante pelo fornecedor de combustíveis (sujeito passivo do imposto), e as faturas de compra mencionadas pelo cliente final – contribuinte que efetivamente suporta o encargo tributário.

O Tribunal Arbitral, nas diversas decisões, discordou com este argumento da AT, considerando que os atos de liquidação do imposto se encontram devidamente identificados e que “o contribuinte não pode ver agravada a sua situação fiscal pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributária se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios.

Incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria

Esta exceção está relacionada com uma divergência que incide sobre a natureza mais nuclear da qualificação dos tributos, dado que, na interpretação da AT, a CSR deve ser qualificada como contribuição financeira, e não como imposto, encontrando-se, desse modo, excluída da arbitragem tributária (nos termos da portaria de vinculação n.º 112-A/2011, de 22 de março).

As contribuições financeiras são definidas pela doutrina como um tertium genus de receitas fiscais, que podem ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto de indivíduos.

A Contribuição de Serviço Rodoviário visava financiar a rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, S.A., sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade era assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado – a contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional.

No entender do Tribunal, na maioria das decisões analisadas, não existindo, qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos, CSR não deve ser qualificada como uma contribuição financeira, pelo que a exceção dilatória invocada pela AT se mostra improcedente.

Incompetência do Tribunal Arbitral em razão da causa de pedir

Ainda que não seja arguida em todas as decisões mencionadas, esta exceção parte do errado pressuposto de que se está a discutir a legalidade do regime da CSR no seu todo e a sua própria desconformidade com o direito europeu. Como menciona o Tribunal, as normas de direito europeu derivado, como normas de direito internacional convencional, vigoram diretamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (artigo 8.º da Constituição). Assim, a impugnação judicial de um ato de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade, nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno ou de direito convencional – é assim afastada esta exceção. 

Ilegitimidade do(a) requerente

Tal como está consagrado no artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, quem suporta o encargo do imposto por repercussão legal, ainda que não seja sujeito passivo da relação jurídica tributária, mantém o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias contra os atos de liquidação que geram a repercussão (económica).

No entender de parte da jurisprudência arbitral, quer os fornecedores de combustíveis, (enquanto sujeitos passivos da CSR), quer os utilizadores da rede rodoviária nacional (enquanto entidades que suportam o encargo tributário por repercussão), dispõem de legitimidade processual para impugnar, no primeiro caso, os atos de liquidação de CSR, e, no segundo caso, os atos de repercussão económica da contribuição – as entidades repercutentes e repercutidas têm diferentes interesses em demandar e quanto a elas não se verifica qualquer dos critérios legais que justificam o litisconsórcio necessário, ou seja, não se torna obrigatória a intervenção provocada das fornecedoras de combustíveis, nem a falta de intervenção implica a preterição de litisconsórcio necessário ou constitui motivo de ilegitimidade dos contribuintes.

Nos termos da jurisprudência do TJUE, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem legitimidade para impugnar os atos que a concretizem ou os que a antecedam, pois apenas o repercutido é afetado na sua esfera jurídica pelo ato lesivo e o substituto só terá legitimidade na medida em que não tenha repercutido integralmente o tributo que suportou nessa qualidade.

Não obstante, em diversas decisões arbitrais (ainda que em algumas, com voto de vencido), o Tribunal aceitou como procedente a exceção dilatória de ilegitimidade do(a) requerente, considerando que, terá legitimidade processual apenas o sujeito passivo, justificando também com a jurisprudência europeia de que “um Estado-Membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma ação civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil”.

Mérito da causa

Nas decisões arbitrais que não têm o seu caminho precocemente interrompido por exceções dilatórias prévias, o mérito é discutido considerando a conformidade da Contribuição de Serviço Rodoviário com o Direito Europeu, sendo aferido o direito ao reembolso do imposto indevidamente pago.

Assim, coloca-se a questão de saber se é admissível o reembolso da CSR indevidamente liquidada ao contribuinte quando a carga fiscal resultante da incidência do imposto é repercutida nos consumidores finais através do correspondente aumento do preço, gerando uma situação de enriquecimento sem causa.

De acordo com jurisprudência assente do TJUE, a obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União apenas pode ser excecionada se conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, ou seja, quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas ou entidades.

Assim, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa.

Sendo esta exceção (ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União) uma restrição a um direito subjetivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá-la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo. Assim, não se pode admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa.

O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão. Além disso, mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas.

Assim, a recusa do reembolso do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, apenas é admissível se a Administração Tributária provar que o imposto foi suportado, na íntegra ou parcialmente, por uma pessoa diferente do sujeito passivo e que, além disso, não se repercutiu negativamente nas margens de venda ou no volume de vendas do sujeito passivo, de modo que o reembolso pudesse gerar um enriquecimento sem causa, o que não pode ser provado por meras presunções.

 

*Processo nº 374/2023-T de 2023-12-14; Processo nº 465/2023-T de 2023-12-14; Processo nº 534/2023-T de 2023-12-20; Processo nº 298/2023-T de 2024-01-04; Processo nº 408/2023-T de 2024-01-08; Processo nº 375/2023-T de 2024-01-15; Processo nº 523/2023-T de 2024-01-24; Processo nº 372/2023-T de 2024-01-25; Processo nº 296/2023-T de 2024-02-01; Processo nº 332/2023-T de 2024-02-01; Processo nº 490/2023-T de 2024-02-09; Processo nº 409/2023-T de 2024-02-09 e Processo nº 486/2023-T de 2024-02-14.

 

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José Freitas

Partner

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